Na pandemia a santidade pode estar “ao pé da porta”
Recordamos aqui o essencial da Exortação Apostólica do Papa Francisco sobre a santidade. Palavras que são ajuda no tempo difícil de pandemia que estamos a viver.
Rui Saraiva – Porto
O tempo de pandemia que estamos a viver é muito desafiante, pois à regra do distanciamento social deveria sobrepor-se o imperativo da proximidade solidária dos cristãos junto de quem sofre. Os gestos simples e pequenos que podem ser a prática de uma vida de santidade. Uma santidade que pode estar ali “ao pé da porta”, como escreve o Papa na sua Exortação Apostólica sobre a santidade publicada em abril de 2018. “Gaudete et Exsultate”, “Alegrai-vos e Exultai” é o título do texto do Santo Padre do qual recordamos aqui o essencial.
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Classe média da santidade
No documento de Francisco pode-se ler uma expressão que marca o espírito desta Exortação: classe média da santidade. Escreve Francisco:
“Gosto de ver a santidade no povo paciente de Deus: nos pais que criam os seus filhos com tanto amor, nos homens e mulheres que trabalham a fim de trazer o pão para casa, nos doentes, nas consagradas idosas que continuam a sorrir. Nesta constância de continuar a caminhar dia após dia, vejo a santidade da Igreja militante. Esta é muitas vezes a santidade «ao pé da porta», daqueles que vivem perto de nós e são um reflexo da presença de Deus, ou – por outras palavras – da «classe média da santidade»”.
Estilos femininos de santidade
De destacar no texto do Santo Padre a atenção para com os “estilos femininos de santidade”:
“A propósito de tais formas distintas, quero assinalar que também o «génio feminino» se manifesta em estilos femininos de santidade, indispensáveis para refletir a santidade de Deus neste mundo. E precisamente em períodos nos quais as mulheres estiveram mais excluídas, o Espírito Santo suscitou santas, cujo fascínio provocou novos dinamismos espirituais e reformas importantes na Igreja. Podemos citar Santa Hildegarda de Bingen, Santa Brígida, Santa Catarina de Sena, Santa Teresa de Ávila ou Santa Teresa de Lisieux; mas interessa-me sobretudo lembrar tantas mulheres desconhecidas ou esquecidas que sustentaram e transformaram, cada uma a seu modo, famílias e comunidades com a força do seu testemunho” – escreve o Papa.
Cansar-se vivendo as obras de misericórdia
Segundo Francisco “quem deseja verdadeiramente dar glória a Deus com a sua vida, quem realmente se quer santificar” deve corresponder a um chamamento: “a obstinar-se, gastar-se e cansar-se procurando viver as obras de misericórdia”. Estas atitudes são essenciais para não permitir que o consumismo da nossa sociedade nos possa enganar. Escreve o Santo Padre:
“O consumismo hedonista pode-nos enganar, porque, na obsessão de divertir-nos, acabamos por estar excessivamente concentrados em nós mesmos, nos nossos direitos e na exacerbação de ter tempo livre para gozar a vida. Será difícil que nos comprometamos e dediquemos energias a dar uma mão a quem está mal, se não cultivarmos uma certa austeridade, se não lutarmos contra esta febre que a sociedade de consumo nos impõe para nos vender coisas, acabando por nos transformar em pobres insatisfeitos que tudo querem ter e provar. O próprio consumo de informação superficial e as formas de comunicação rápida e virtual podem ser um fator de estonteamento que ocupa todo o nosso tempo e nos afasta da carne sofredora dos irmãos. No meio deste turbilhão atual, volta a ressoar o Evangelho para nos oferecer uma vida diferente, mais saudável e mais feliz.”
Bem-aventuranças: bilhete de identidade do cristão
Para o Papa, nesta sua Exortação Apostólica, existe um método para o caminho da santidade: as bem-aventuranças. Declara o Santo Padre:
“Sobre a essência da santidade, podem haver muitas teorias, abundantes explicações e distinções. Uma reflexão do gênero poderia ser útil, mas não há nada de mais esclarecedor do que voltar às palavras de Jesus e recolher o seu modo de transmitir a verdade. Jesus explicou, com toda a simplicidade, o que é ser santo; fê-lo quando nos deixou as bem-aventuranças (cf. Mt 5, 3-12; Lc 6, 20-23). Estas são como que o bilhete de identidade do cristão. Assim, se um de nós se questionar sobre «como fazer para chegar a ser um bom cristão», a resposta é simples: é necessário fazer – cada qual a seu modo – aquilo que Jesus disse no sermão das bem-aventuranças. Nelas está delineado o rosto do Mestre, que somos chamados a deixar transparecer no dia-a-dia da nossa vida.”
E para cumprir as bem-aventuranças e viver a santidade no mundo atual, o Papa Francisco aponta algumas características necessárias a desenvolver pelos cristãos: a oração, a paciência, a mansidão, a ousadia e também a alegria e o bom humor. Aliás, neste particular do bom humor, o Papa cita alguns santos como S. Tomás Moro, S. Vicente de Paulo e S. Filipe Néri e sublinha que “o mau humor não é um sinal de santidade”. A alegria, essa sim, é característica de santidade porque, como escreve o Papa “ser cristão é «alegria no Espírito Santo» (Rm 14, 17)”. Mas, Francisco avisa que não se trata de uma alegria consumista:
“Não estou a falar da alegria consumista e individualista muito presente nalgumas experiências culturais de hoje. Com efeito, o consumismo só atravanca o coração; pode proporcionar prazeres ocasionais e passageiros, mas não alegria. Refiro-me, antes, àquela alegria que se vive em comunhão, que se partilha e comunica, porque «a felicidade está mais em dar do que em receber» (At 20, 35) e «Deus ama quem dá com alegria» (2 Cor 9, 7)” – diz o Santo Padre.
Discernir para viver em santidade
Francisco conclui a sua Exortação Apostólica sobre a santidade assinalando uma “necessidade imperiosa”: “a capacidade de discernimento”. Escreve o Papa:
“Hoje em dia, tornou-se particularmente necessária a capacidade de discernimento, porque a vida atual oferece enormes possibilidades de ação e distração, sendo-nos apresentadas pelo mundo como se fossem todas válidas e boas.”
Na sua Exortação sobre a santidade, “Alegrai-vos e Exultai”, o Papa Francisco exorta-nos a encontrar a “sapiência do discernimento” e alerta, sobretudo os jovens, para o perigo de vivermos segundo as “tendências da ocasião”.
Em tempo de pandemia, reler as palavras do Papa sobre a santidade pode ajudar a encontrarmos nos outros a razão da nossa vida, praticando uma solidariedade ativa que se transforme em caridade do coração.
Laudetur Iesus Christus